quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Incógnita


Incógnita

No quarto sombrio, as cortinas se esvoaçavam e ondulavam frenéticas, refletiam a pálida luz da lua e essa era a única iluminação do cômodo.
E lá, sob as cobertas aveludadas, um ser grotesco gemia e tremi tentando se liberta dos pesadelos constantes. E em meio a uma de suas intermitências etéreas que lhe arrancavam por completo o sono, acordou assustado. Com um único salto deixou a cama.
Suava frio, continuava a tremer.
O que o assustara? Por que aquele monstro se assustaria á meia-noite? Suas barbas a fazer e os selvagens músculos salientes, proporcionavam-lhe uma ar de suficiência, bravura, certa arrogância, o que de fato tinha. Mas agora, parecia tão indefeso quanto um pobre cãozinho sem-teto, no frio, com fome. O que se passava em sua mente? Preferia que fosse o nada. O que sentia? Preferia a insensibilidade.
 Moveu-se até a cozinha, cômodo pequeno, simples, tão frio quanto tudo a seu redor. Sentou-se à minúscula mesa redonda, apoiou a cabeça sobre uma das mãos e fitou intrigado, o facão sobre a pia. Uma lembrança.
Mesmo no breu, via sem dificuldades, sua navalha reluzente. Sentia cortar o ar, dilacerar a carne, não a sua própria, mas a de sua amada.
Amada essa que de tanto amor sofreu, de tanto amor chorou, tão bela e curvilínea, de pele escura, sedosa, hálito fresco, beijo angelical. A única a verdadeiramente amá-lo como era, aceitá-lo de forma tal: rude, grosso. E de tanto amor sofreu e de tanto amor chorou.
E esse mesmo amor recíproco foi quem a destruiu, privando-a de ser o que era... Ousada, linda. O amor egoísta, que por medo de perdê-la para outro, sem dó, a privou da vida.
“Antes que morra e não me troque por outro mais belo e o ames mais que a mim.” Disse e se arrependera do que dissera.
Cena cruel se apoderou de sua mente, tão clara e vívida. Em suas mãos a arma branca, fria. No coração em chamas dela, amor, verdadeiro amor. Porém ele, disso não sabia. Cego de ciúmes, fez cessar o fogo que ardia no doce coração para que este, jamais ardesse outra vez.
Não queria sentir isso agora, mesmo assim o sentia, o sangue quente da amada escorrendo em suas mãos.
Agora toda a cozinha se impregnara do suave perfume da querida mulher.
Não podia ficar ali, ficar ali não. Era como se a presença dela se fizesse real.
Precipitou-se de volta ao quarto.
Culpa, medo, horror a si mesmo, desejo da morte, todos os sentimentos que um homem jamais deveria sentir. Tudo isso, um peso em suas costas.
 “Bruto retardado, assassino de donzelas frágeis, leão impiedoso que ao ver a retaguarda logo ataca e abate a presa. Monstro.” É o que dizia a si mesmo nos acesso de lágrimas.
Morrer ou viver? Procurava a solução.
Vivo, era como se ela estivesse sempre lá, a observá-lo. Agora mesmo, com os olhos úmidos pelo choro, podia jurar ver a silhueta feminina escondida nas sombras do quarto, ainda iluminado pelo reflexo do luar nas cortinas agitadas.
Uma brisa gelada arrepiou-lhe cada fio de cabelo do corpo...
E na morte? Não. Definitivamente, ela estaria lá.
O melhor a se fazer seria... Deitar-se, chegar ao fim da noite sem enlouquecer. Não queria sentir, mesmo assim sentia a amada agora morta, a amá-lo da escuridão.
Deitou-se. Escorando a cabeça no travesseiro, pensava: “Boa Noite, meu amor.” E não sabia se a pedia pra ir ou pra ficar. Fechou os olhos para ser sugado de volta ao terror, ao espaço negro e vazio, sem esperanças de algum dia deixá-lo. Viver em sonhos, repetidas vezes, o acontecimento já ocorrido. Vê-la sangrar. Expirar em seus braços.
E as cortinas, pálidas de brilho espectral, continuavam a se agitar, tremer e ondular violentamente.

As janelas estavam fechadas.

Conto por Lucas Ribeiro - Colaborador

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