Incógnita
No quarto sombrio, as cortinas se esvoaçavam e ondulavam frenéticas, refletiam a pálida luz da lua e essa era a única iluminação do cômodo.
E lá, sob as cobertas
aveludadas, um ser grotesco gemia e tremi tentando se liberta dos pesadelos constantes.
E em meio a uma de suas intermitências etéreas que lhe arrancavam por completo
o sono, acordou assustado. Com um único salto deixou a cama.
Suava frio, continuava
a tremer.
O que o assustara? Por
que aquele monstro se assustaria á meia-noite? Suas barbas a fazer e os
selvagens músculos salientes, proporcionavam-lhe uma ar de suficiência,
bravura, certa arrogância, o que de fato tinha. Mas agora, parecia tão indefeso
quanto um pobre cãozinho sem-teto, no frio, com fome. O que se passava em sua mente?
Preferia que fosse o nada. O que sentia? Preferia a insensibilidade.
Moveu-se até a cozinha, cômodo pequeno,
simples, tão frio quanto tudo a seu redor. Sentou-se à minúscula mesa redonda,
apoiou a cabeça sobre uma das mãos e fitou intrigado, o facão sobre a pia. Uma
lembrança.
Mesmo no breu, via sem
dificuldades, sua navalha reluzente. Sentia cortar o ar, dilacerar a carne, não
a sua própria, mas a de sua amada.
Amada essa que de
tanto amor sofreu, de tanto amor chorou, tão bela e curvilínea, de pele escura,
sedosa, hálito fresco, beijo angelical. A única a verdadeiramente amá-lo como
era, aceitá-lo de forma tal: rude, grosso. E de tanto amor sofreu e de tanto
amor chorou.
E esse mesmo amor
recíproco foi quem a destruiu, privando-a de ser o que era... Ousada, linda. O
amor egoísta, que por medo de perdê-la para outro, sem dó, a privou da vida.
“Antes que morra e não
me troque por outro mais belo e o ames mais que a mim.” Disse e se arrependera
do que dissera.
Cena cruel se apoderou
de sua mente, tão clara e vívida. Em suas mãos a arma branca, fria. No coração
em chamas dela, amor, verdadeiro amor. Porém ele, disso não sabia. Cego de
ciúmes, fez cessar o fogo que ardia no doce coração para que este, jamais
ardesse outra vez.
Não queria sentir isso
agora, mesmo assim o sentia, o sangue quente da amada escorrendo em suas mãos.
Agora toda a cozinha
se impregnara do suave perfume da querida mulher.
Não podia ficar ali,
ficar ali não. Era como se a presença dela se fizesse real.
Precipitou-se de volta
ao quarto.
Culpa, medo, horror a
si mesmo, desejo da morte, todos os sentimentos que um homem jamais deveria
sentir. Tudo isso, um peso em suas costas.
“Bruto retardado, assassino de donzelas
frágeis, leão impiedoso que ao ver a retaguarda logo ataca e abate a presa.
Monstro.” É o que dizia a si mesmo nos acesso de lágrimas.
Morrer ou viver?
Procurava a solução.
Vivo, era como se ela
estivesse sempre lá, a observá-lo. Agora mesmo, com os olhos úmidos pelo choro,
podia jurar ver a silhueta feminina escondida nas sombras do quarto, ainda
iluminado pelo reflexo do luar nas cortinas agitadas.
Uma brisa gelada
arrepiou-lhe cada fio de cabelo do corpo...
E na morte? Não.
Definitivamente, ela estaria lá.
O melhor a se fazer
seria... Deitar-se, chegar ao fim da noite sem enlouquecer. Não queria sentir,
mesmo assim sentia a amada agora morta, a amá-lo da escuridão.
Deitou-se. Escorando a
cabeça no travesseiro, pensava: “Boa Noite, meu amor.” E não sabia se a pedia
pra ir ou pra ficar. Fechou os olhos para ser sugado de volta ao terror, ao
espaço negro e vazio, sem esperanças de algum dia deixá-lo. Viver em sonhos,
repetidas vezes, o acontecimento já ocorrido. Vê-la sangrar. Expirar em seus
braços.
E as cortinas, pálidas
de brilho espectral, continuavam a se agitar, tremer e ondular violentamente.
As janelas estavam
fechadas.
Conto por Lucas Ribeiro - Colaborador
Parabéns Lucas, ótimo trabalho continue assim.
ResponderExcluirThank you...
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